Imagem sob licença Creative Commons por CDD20 |
Outro
dia fui ver a peça de teatro de uma amiga que se chamava “Labirinto do Ciclope”,
fui às cegas, sem saber o que esperar, não havia lido nem a sinopse direito. Eu
sabia que podia confiar na minha amiga, que com certeza a peça seria algo
diferente já que ela não costuma atuar em qualquer tipo de produção.
A
verdade é que o final me deixou completamente arrepiada, a peça inteira fez a
minha cabeça praticamente explodir e eu comecei a pensar sobre várias coisas.
Ser artista não é fácil, seja você escritor, ator, pintor, cantor... A maioria de nós não recebe o apoio que gostaríamos ou sofremos críticas constantes das pessoas que amamos. Aquele velho e conhecido olho torto de um familiar que murmura um: “deveria ter estudado medicina ou advocacia”. Ainda existe um preconceito muito grande em relação às carreiras relacionadas com a arte, a menos que você se converta em uma pessoa extremamente famosa (coisa que não costuma acontecer da noite para o dia, não é mesmo?) e essas pessoas mudam de ideia dizendo: “ai, sempre soube que você tinha talento”.
Mas
não estou aqui para falar do preconceito dos outros, dos olhares críticos ou
até mesmo da falta de apoio que a gente recebe. Estou aqui para falar do processo
de se assumir como artista, que é mais ou menos o que aconteceu na peça de
teatro.
Sete
pessoas presas em um labirinto e que só conseguirão sair à luz quando descobrirem
quem realmente são, porém há uma oitava pessoa ali, o carcereiro, responsável
por fazer com que essas pessoas não descubram quem são e continuem vivendo seu
próprio inferno pessoal naquele lugar.
“Mas
o que isso tem a ver com eu me aceitar como artista?”, você se pergunta.
Temos
que entender que se aceitar como artista é um processo, principalmente pelo
entorno em que fomos criados e entendendo esse preconceito cultural que temos.
Alguns de nós precisamos de validação como: “só serei escritor se publicar um
romance”, “só serei cantor quando fizer o meu primeiro show com música autoral”,
“só serei um pintor quando tiver minha obra exposta em um museu”... Pensamentos
que levam a um “não somos até que...” que torna difícil aceitar que realmente
somos algo antes de chegar nessa “meta” que colocamos na nossa própria cabeça.
Estamos
presos em um labirinto, um labirinto o qual nós mesmos nos colocamos. Nós somos
o carcereiro.
Talvez
escondemos quem realmente somos para algumas pessoas, dizemos que por enquanto
é só um “hobby”, guardamos diferentes sentimentos dentro de nós em relação ao
nosso lado artístico. O medo do fracasso, da rejeição, de não ser bom ou boa o
suficiente. Algo que está constantemente rondando a nossa cabeça e de certa
forma é o nosso próprio inferno pessoal, assim como os personagens da peça que
estavam presos em um labirinto, confusos, com muitas perguntas sem respostas e sem
saber quem realmente são, com suas ideias e teorias completamente abafadas.
Mas
nós também somos as sete pessoas ali presas, cada uma representando uma faceta
do nosso próprio ser artístico, quase como os heterônimos de Fernando Pessoa.
Temos estas facetas dentro de nós, guardadas nos labirintos do nosso
inconsciente... a nossa paixão, nossos sonhos, a inspiração, a criatividade
tudo suprimido pelo nosso consciente, o carcereiro. Seja por medo, frustação ou
até mesmo negação.
E
todos esses personagens só conseguirão ser livres quando lembrarem quem são, ou
seja, quando o carcereiro finalmente entender que tudo aquilo faz parte dele,
ligar os pontos e entender quem ele realmente é e sempre foi. Um artista.
É um
processo de autoconhecimento e autopercepção, entender que você é artista desde
o momento em que começou a criar, que você não precisa de uma validação ou um “só
serei isso quando...”. Para ser escritor basta escrever, como falamos sempre no
Projeto.
Não
é fácil admitir, não é fácil sair do labirinto porque ele é confuso e de certa
maneira um lugar conveniente de estar para não lidar com todas essas sensações
que querem sair à luz ou até mesmo de evitar certos olhares e conversas que
levem ao questionamento de outras pessoas.
Mas
é necessário, não há nada mais libertador que dizer com todas as palavras: “eu
sou”. E não vi nada mais lindo que aquela cena final onde todos os sete
personagens formam uma fila atrás do carcereiro como uma unidade voltando a ser
parte dele e ele parado na frente da fila com os olhos cheios de lágrima
dizendo em alto e bom som “eu sou um ator” antes de cair de joelhos tomado pela
sensação de alívio e de ter finalmente se encontrado, porque não existe nada
mais lindo que poder dizer isso com todas as palavras, finalmente admitindo e
descobrindo quem você realmente é.
O
poder da palavra falada que liberta o artista do seu labirinto, do seu inferno
pessoal.
Naquele
instante meu corpo inteiro arrepiou e eu fui preenchida de uma vontade imensa
de chorar, porque foi a cena mais linda que eu vi na minha vida. Um artista
finalmente percebendo que é um artista de verdade, que sempre foi. Lembrei de
quando eu percebi que era uma escritora, que as pessoas gostavam daquilo que eu
escrevia e que essa era quem eu era: uma escritora. Meu corpo inteiro em um
estopim.
São essas
frações de segundos capazes de mudar a sua vida por inteiro, de libertação.
E
você, já saiu do seu labirinto?