Imagem por Aoreste, sob licença Creative Commons. |
Sabe aqueles dias que você acorda com o pé
esquerdo? Que tudo parece dar errado e que era melhor você ter ficado protegido
debaixo das cobertas na sua cama quentinha?
ENTÃO!
Sexta-feira, (por incrível que pareça, não
era 13) dia lindo para ir à faculdade, não é mesmo? NÃO QUANDO A VIDA RESOLVE
ZOAR COM A SUA CARA, PORQUE SIMPLESMENTE QUER!
Estava dormindo bem, com aquele alivio de acordar
e ainda não ser a hora de levantar. Me aconchegava no quentinho do cobertor e
voltava a dormir como uma anjinha que sou, toda meiga. Até que, sem mais nem
menos, entra o meu padrasto no quarto e fala todo meigo.
— Ayumi ya son
las seis y cuarto.
Eu arregalei os olhos desesperada. COMO
ASSIM JÁ ERAM SEIS E QUINZE? JÁ ERA PARA EU ESTAR NO PONTO DE ÔNIBUS! Joguei o
cobertor para o lado, ainda meio dormida, com aquela sensação de nem saber o
que estava fazendo. Depois do mini ataque cardíaco da nerd pontual, peguei o
meu celular, apertei o botão e nada, apertei mais uma vez e nada.
O INFELIZ DO CARREGADOR NÃO ESTAVA FUNCIONANDO.
Fiquei braba? Claro! Porque além disso, o despertador de mil novecentos e
bolinha, que gritava em japonês, também não estava funcionando. Pilhas, por que
vocês me deixam na mão?
Até aí eu já havia me descabelado toda,
olhei para o relógio e pensei: não vou chegar “ni en pedo” para a primeira
aula, voltarei ao meu sono de beleza e vou chegar bem para a aula de
neurofisiologia.
I-LU-DI-DA
Troquei a pilha do despertador e quando
coloquei o celular para carregar, levei um baita choque da tomada. Bela forma
de acordar, não é mesmo?
Dormi por mais ou menos uma hora, acordei
bem, sem nada bizarro acontecendo, nenhum bicho papão havia me levado para o
mundo obscuro que fica debaixo da cama. Ufa!
Parti para a minha mini viagem. Peguei o
búzios até a estação para esperar o grande e lindo “Chevallier”, um busão
enorme de viagem com ar-condicionado e poltrona reclinável que vai até Buenos.
Esperei, esperei e esperei (insira som de
ronco aqui). E nada do Chevy vir, olhei para o relógio e pensei: Putz, eu não
posso perder neuro, eu amo neuro, neuro leve a minha alma, eu deixo.
O primeiro ônibus que veio, foi um comum, com banco mais duro que rapadura ou o meu coração de gelo. Então belezinha,
estava no búzios com o popôzinho quadrado e quase caindo de sono. Dormi a
primeira meia hora, até que escuto uma senhora dizendo:
— No sé que
pasó, creo que fue un choque en la ruta.
Estávamos mais lentos que uma tartaruga
reumática, isso porque DOIS, isso mesmo, DOIS acidentes haviam acontecido no
meio da estrada. Demorei quase duas horas e meia para chegar até a capital, mas
tudo bem, pude tirar uma soneca marota do busão.
Cheguei à capital e fui voando para o
metrô, entrei, sentei, tudo estava indo bem, tirando o fato que o metrô tem
duas velocidades “normal” e “indo quase parando”, a velocidade de sempre é a
segunda. Juro que não entendo, a capital é um ovo e você demora muito mais para
chegar aos lugares do que em SP.
Esperei paciente até a minha estação e
desci toda esperançosa de que chegaria a tempo. Estava apertada para ir ao
banheiro e usei a lógica: vou ao banheiro daqui que nunca tem ninguém e voou
direto para a faculdade, se eu for usar o banheiro de lá, vou mofar na fila,
quem mandou estudar em um lugar que 90% são mulheres?
Então fui ao banheiro e encontrei uma
senhorinha organizando umas coisas em sua bolsa, ela sorriu e perguntou se eu
tinha papel higiênico, já que o do metrô havia acabado. Agradeci e falei que
tinha papel.
Estudante da UBA sempre deve ter, pelo
menos, um rolo de papel higiênico na mochila, porque nunca tem papel nos
banheiros!
Entrei no único box e fechei a porta, ela
fez um barulho estranho, mas nem liguei muito. Fiz o que precisava fazer e
quando fui girar o trinco para abrir a porta, o treco não gira!
Tive outro mini ataque cardíaco.
Comecei a empurrar a porta, forcei o
trinco, tentei fazer truque levantando um pouco ela e nada. Pronto, tinha
ficado presa no banheiro, que ótimo! Era só o que me faltava.
— ¿Estás bien? — perguntou a senhora toda
preocupada.
— Creo que estoy atrapada, no puedo salir —
respondi tentando não parecer desesperada e começar a me descabelar em português.
A senhora disse que chamaria alguém para me
ajudar e que voltaria logo, mas murmurou sozinha um “não posso deixar todas as
minhas coisas aqui”. Entrei em desespero, será que ela guardaria todas as
coisas na bolsa e depois chamaria alguém para me socorrer?
Já tinha na cabeça que perderia a aula, já
não adiantava mais. Chegaria atrasada de qualquer maneira, faltava dez minutos
e eu demorava quinze até chegar à faculdade. Respirei fundo pedindo para o
universo me ajudar e logo escuto ela gritando.
— iChe! iAyudáme
que hay una nena atrapada en el baño!
Nena?! Não poderia ter falado chica? Eu sei
que tenho cara de doze anos, mas não precisava falar nena... pelo menos não
falou nenita...
— ¿Atrapada? — Escuto a voz de um homem.
— Sí, una nena.
Vení rápido.
Escuto passos e o homem pede licença pelo
menos uma três vezes antes de entrar. Perguntou se eu já tinha tentado girar o trinco...
É CLARO MEU FILHO.
Disse para eu girar para lá, para cá,
empurrar para cima, para baixo. Ele colocou o pé na pequena abertura debaixo da
porta e fez força para cima... nada da maldita porta abrir. Era isso, eu estava
presa, ficaria aqui a tarde inteira até que alguém viesse arrombar ou desmontar
a porta. Não tinha mais esperanças até que ele diz:
— ¿Tenés movilidad? — Franzi a testa não
entendendo muito bem o que ele queria dizer com “movilidad”.
— Sí (?). — Respondi meio na dúvida e então
entendi o que ele queria dizer.
Encarei o chão do banheiro, o vão da porta,
o chão do banheiro e o vão da porta, olhei para a minha bela barriguinha
saliente e respirei fundo.
— ¿Podés salir
por abajo? — Engoli seco.
— Sí (?).
Era só o que faltava para completar o meu
dia. Me rastejar no chão do banheiro do metrô! Mas eu estava desesperada, não
iria me fazer de fresca e esperar alguém vir me salvar como donzela em perigo,
tinha até pensado em sair por cima, mas isso sim seria loucura. Passei minha
mochila pelo vão e ela passou sem problemas, agora era a minha vez.
Respirei fundo e lá fui eu, me ajoelhei e
passei pelo vão fazendo uma leve curva com as costas e encolhendo o popô, me
sentia uma lagarta (pronta para virar borboleta e sair voando para aula de neuro).
Agradeci o cara, que ficou meio sem jeito e
disse que eu não precisava agradecer, já que ele não conseguiu abrir a porta e
muito menos me tirou de lá, mas o agradeci mesmo assim. Agradeci também a senhorinha
que foi um amor de pessoa, se não fosse ela, eu estaria lá até hoje!
Lavei as
mãos e saí correndo em disparada à faculdade, a aula já deveria estar para
começar, mas eu torcia para que a profe demorasse um pouquinho mais no celular
que ela sempre mexia antes de dar o horário.
As minhas batatas da perna começaram a arder de tão rápido que eu estava andando (literalmente uma batata
quente). Olhei para a escada e depois para o elevador, e de novo para a escada
e para o elevador. Pedi desculpa com o olhar para a escadinha marota e entrei no
elevador com mais umas quatro meninas.
Um parênteses aqui: a faculdade tem só três
andares e sempre tem fila no elevador, já vi pessoas usarem ele para descer um
andar só. Gente, subir escada não mata não! Abrindo outro parênteses aqui:
outro dia que eu estava atrasada, fiquei esperando um elevador (com gente que
desceu no primeiro andar) e antes de subir, um argentino “buena onda” disse: “Vamos
usar a escada hoje? É saudável, vamos?”. Eu quase mudei de ideia e disse “vou
sim!”, mas os outros o encararam com uma carinha de asco que eu até me
assustei, uma cara do tipo “esse hippie tá louco, brother”.
VAMOS VOLTAR AO QUE
INTERESSA, NÃO É MESMO?
Lá estava eu no segundo andar, as pessoas
todas sentadinhas na sala de aula e a professora de pé falando alguma coisa,
entrei tentando chamar menos atenção possível e sentei na frente, xingando por
dentro por não ter sobrado nenhuma cadeira com o apoio da mesa, tive que
escrever apoiando as folhas do fichário na coxa, mas isso era de menos,
faculdade é assim mesmo.
Por sorte, a professora estava falando sobre
a prova, datas de recuperações e das provas finais, nada que eu não soubesse. O
resto do dia na faculdade foi normal, pensei que o micro-ondas explodiria na
minha cara porque o dia estava meio azaroso, mas tudo estava na mais perfeita
paz. Encontrei com a minha amiga de psicologia geral e comentei com ela o dia
de cão, ela arregalou os olhos e disse que quando acorda em um dia assim “ni en
pedo” sai de casa, disse que é um sinal do universo e que eu não deveria
desafiá-lo, também falou que eu era corajosa de ainda estar sentada ali naquela
aula do cão (#psicogeraldumal).
Escutei a aula quase dormindo de tão
monótona que a professora era. Consegui sobreviver até o final do dia, saí da
faculdade e não fui atropelada por um carro, nem me jogaram nos trilhos do
metrô e nem me roubaram no ponto de ônibus (sim, eu estava pensando que tudo
isso poderia acontecer). Subi no búzios e lá estava eu, quase duas horas com a
bunda quadrada já, o bom é que não houve nenhum acidente no caminho de volta.
Desci na estação achando que o dia de azar
tinha acabado, mas o bendito ônibus, que parava na frente de casa, não vinha.
Fiquei meia hora esperando o infeliz e quando veio, estava lotado (geralmente
vem vazio). Isso não era um problema, estava acostumada com as latas de
sardinha que são os ônibus em São Paulo na hora de pico, fiquei parada perto da
porta e do sinal, já que sou baixinha e as pessoas costumam formar um paredão,
impossível de atravessar, à minha volta. Dei o sinal para descer no meu ponto e
vi que o ônibus estava indo muito rápido para quem teria que parar, apertei de
novo e passou direto do meu ponto! Apertei mais uma vez para descer no próximo
que eu nem sabia onde era! Ele parou, abriu as portas e então eu vi... na
verdade, não vi nada porque todos os postes daquela parte da rua não
funcionavam, havia um matagal na minha frente e do outro lado uma rua que
levava até uma “villa”. Olhei ao meu redor, não havia uma pessoa sequer, tudo
escuro e o som dos grilos era macabro.
Andei uma quadra e meia rezando para que
nada acontecesse de ruim, atravessei a rua e finalmente estava em casa, VIVA!
ESTAVA VIVA. Depois de acordar atrasada,
levar um choque, ficar com a bunda quadrada em um busão velho, enfrentar um
trânsito com dois acidentes, ficar presa no banheiro do metrô, chegar atrasada
na aula que mais amo e ser deixada num ponto do meio do nada. Eu cheguei VIVA!
Só acho que alguém precisava tomar um banho
com água benta para espantar mau olhado, sei lá, jogar um salzinho pelo ombro,
pular sete ondas...
E você pandawan, qual foi o seu dia de
azar?
Dicionário Argentino:
○ Ni en pedo - nem a pau (?).
○ Nena - menina, garota, garotinha, usado geralmente para se referir à crianças do sexo feminino.
○ Movilidad - mobilidade, flexibilidade.
○ Movilidad - mobilidade, flexibilidade.