A Argentina é o tipo de país com ruas
organizadas, desde o tamanho similar das quadras até o número das casas que se
correspondem de acordo com a “altura” que você está. Como diz a minha amiga
Fernanda, é “uma cidade feita de Lego” onde tudo é quadradinho e se encaixa.
Você pode até pensar que isso facilitaria as
coisas na hora de se encontrar na cidade, já que as ruas são retas e as quadras
são bem organizadas, mas para mim BUENOS AIRES É UM LABIRINTO A CÉU ABERTO (ou
talvez eu tenha uma péssima noção de direção... ééé na verdade acho que é esse
o problema, sou mais perdida que cego em tiroteio).
Enfim, PRIMEIRO DIA DE AULA (por que eu estou
gritando?).
Meu primeiro dia de aula na UBA foi legal,
mamita foi junto só para garantir que eu não me perderia no meio dos Argentinos
e ela também queria conhecer a faculdade direito (tava toda preocupada por
causa de toda essa bagunça que está acontecendo aqui #niunamenos). Chegamos bem
nos lugares e conseguimos nos localizar com um mapinha impresso do Google Maps (Google salvador de vidas desde 1998).
Mas o BABADO foi no segundo dia de aula que moi
(frânces para me, myself and I) fui sozinha. Tudo o que tinha para dar de
errado deu... mentira, pelo menos não estava chovendo, ai sim seria o dia
perfeito para se encolher na cama e chorar com rímel escorrendo.
Acordei as sete para pegar um busão que só foi
chegar as nove (estava meio que me descabelando já). Fiquei quase duas horas nesse búzios
e desci perto da unidade principal da faculdade que fica a umas onze ou doze
quadras da outra, obviamente a minha aula era na outra unidade.
Abri o mapinha toda animada me sentindo A
universitária e encarei o “caminho seguro” que foi criado pelo centro de
estudantes da faculdade (parecia ter sido feito pelo Pacman fugindo dos
fantasminhas, porque olha, era um vira para lá, vira para cá, sobe, desce...
porque o de cima sobe e o debaixo desce tã nã nã nã).
Juntando o caminho de cobra com Parkinson, mais
o labirinto a céu aberto e a minha falta de direção, eu parecia uma barata tonta
na rua. Juro para vocês que eu tentei lembrar dos lugares por pontos de referência,
mas quem diria que a duas ou três quadras de distância eu encontraria mais ou
menos o mesmo set de lojas? Sério, quem coloca farmácias iguais a uma quadra de
distância da outra? Ou então postos de gasolina?
Vou colocar o mapinha para ilustrar um pouco a
minha falta de direção.
Caminho certo |
caminho que eu fiz |
“WTF EU TO FAZENDO EM UMA AVENIDA? Aff, virei
errado”, pensei ainda achando que o dia seria lindo, há há, iludida.
Andei, andei e andei. Podiam até ser seis
quadras, mas olha, em algumas regiões as quadras são grandes e se uma é grande,
todas são grandes PORQUE AQUI TUDO É MEIO PROPORCIONAL E ORGANIZADO. Andei até
essa rua que todos chamam só de Loria (porque Sánchez é tipo uma palavra
trava-língua). Andei um pouquinho e pensei:
“Opa, eu não passei por aqui ontem, era o outro
lado”, então olhei para o relógio no meu pulso, “eita, tenho quinze minutos
para chegar na aula”.
Desci a — Xanxez, Sánxes, Xantches — Sánches de
Loria e virei na Belgrano com as batatas da perna reclamando, mas segui meu
caminho. Andei, andei e andei mais prestando atenção em todas as ruas e lojas.
“Estou no caminho certo, tenho certeza que eu
passei por aqui antes, olha essa loja, essa rua, já vi ontem... se bem que, as
ruas daqui parecem todas meio iguais. Deve ser coisa da minha cabeça, estou no
caminho certo, só tenho que achar essa rua General Urquiza”, andei, andei e
andei. “Nossa, que engraçado, eu encontrei a Avenida Jujuy, não lembro de ter
cruzado ela ontem, mas tá certo, ainda não cheguei na Urquiza”.
Fui andando igual tonta até que eu passei por
uma loja de móveis de madeira e artesanato que eu nunca tinha visto e acredite,
eu sempre lembro muito bem das lojinhas de artesanato daqui, porque não são muitas!
Olhei para o relógio que marcava 11:00, isso
significava que a minha aula estaria começando. Eu como uma boa aluna exemplar,
nerd e obcecada por não perder nenhum detalhe da aula, andei apressada como se
eu estivesse em São Paulo na hora do rush.
Os semáforos eram os meus inimigos, parecia que fechavam sempre na hora que eu ia passar, cheguei à rua Saavedra,
olhei para os lados e nada de carro, corri o mais rápido que pude e só senti um
ventinho perto dos glúteos feat. nádegas, um carro havia passado correndo quase
me atropelando. Só ouvi a buzina e um argentino brabo me xingando, só sei que
cheguei na calçada branca de susto, mas não me desesperei por muito tempo
porque a ideia de me perder em Buenos Aires me assustava mais.
“G-zuis, e se me sequestrarem? E se me
estuprarem? Esse pedreiro me encarou quando eu fui e tá me encarando agora que
eu estou voltando”.
Voltei e encontrei a rua General Urquiza, desci
ela e quando cheguei na Av. Independencia, eu olhei para o mapa e já estava
vesga, não entendia mais nada e obviamente fui para o lado errado achando que o
lado certo não era familiar, que eu não tinha andado por ali no dia anterior
(ai, ai. Só observo).
Andei, andei, andei e nunca chegava na
faculdade, comecei a achar estranho porque tecnicamente ficava bem pertinho da
rua que eu tinha acabado de descer, só voltei quando eu vi uma avenida que eu
nunca tinha visto antes na minha frente.
“Aff, to no lugar errado de novo. É isso, perdi
a aula, neurofisiologia vai ser a pior matéria da minha vida. Só pode ser um
sinal. Não acredito que eu tenho que vir toda terça para UMA aula de uma hora e
meia, e ainda perco metade dela para voltar para casa. Tá de sacanagem comigo,
né? Eu fico mais tempo com a bunda na cadeira do ônibus do que na da faculdade.
Afferson”.
Voltei já querendo arrancar todos os cabelos.
Já estava toda suada, descabelada, com as pernas doendo e cansada. Até que eu
vi a luz, lá estava ela, a faculdade toda linda praticamente dizendo “entre
jovem semi-deusa, aqui temos ambrosia para você se recuperar”.
Olhei para o relógio e tinha perdido dez
minutos de aula, o que não era muito se o professor fosse se apresentar, falar
do material e da página da matéria no site da faculdade. Subi de elevador para
apressar as coisas e me assustei com a quantidade de gente dentro da sala (e
fora também) para ver a aula.
Eu me esquivei de toda essa gente amontoada na
porta e fui até o fundo da sala, peguei um lugar horrível que não dava para ver
nada do telão com slides, mas eu já estava dentro e relaxei na cadeira, isso
até que eu vi na lousa “Psicología Genética – Profesor Fernando”.
Gelei na
hora, achei que a aula de neuro ainda não tinha começado e essa estava por
acabar, então saí desesperada da sala e só ouvi alguns burbinhos “alguém entrou
na sala errada”, “ela entrou na sala errada”.
E para completar, ao sair, eu dei uma bolsada
na cara de uma menina... sem comentários...
Sentei em um banco do lado de fora e esperei
mais dez minutos para essa aula acabar e nada, ninguém parecia chegar e esperar
como eu para ver a aula de neuro. Então achei que estava na sala errada. Olhei
no meu horário impresso e enfeitado por moi (me, myself and I) e estava lá, o
mesmo número. Ai caiu a ficha, “e se eu anotei errado no meu horário?”.
Desenterrei meu celular da mochila e depois de
muito sufoco para pegar wifi, entrei na página da faculdade para ver o número
da sala e PIMBA. Eu estava na sala errada e no andar errado!
Desci correndo as escadas mais próximas e
procurei a sala pelo piso inteiro, encontrei uma menina loira desesperada procurando
uma sala também e resolvi segui-la, já que a minha busca não tinha surtido
muito efeito, e acontece que essa era a única sala que ficava no “ENTRE PISO”, isso mesmo, ENTRE PISO! Ela estava escondida no fundo de um corredor onde ficava uma escada de
emergência. O único que eu conseguia pensar naquele momento era:
“Ah meu, não pode ser. Tão de brinks com a
minha face. Mano do céu, deve ser um sinal mesmo”.
Entrei junto com a menina na sala e fomos
sentar no pior lugar da face da Terra, lugar onde Judas sentou antes de perder
as botas no estilo Cinderela. As cadeiras ficavam no fundo da sala, eu (como
uma boa anã) não enxergava os slides e nem tinha onde apoiar o fichário porque
nossas cadeiras eram literalmente só cadeiras, a parte da mesa não existia.
No final, eu perdi vinte e cinco minutos de uma
aula que duraria uma hora e meia! Estava braba, irritada e com fome. (Mas
confesso que o resto da aula foi muito interessante).
Saí da sala, comi meu sanduíche e respirei três
vezes antes de mudar o meu rumo de volta à estação de ônibus que ficava na
Catamarca. Como já estava irritada, enfiei o mapa maldito na mala.
“Quer saber? Dane-se esse caminho seguro, eu
vou é descobrir o meu próprio caminho, 2bj”.
Andei para o lado direito da faculdade até
encontrar a rua Catamarca e só fui, andei até chegar no ponto de ônibus. Eu
hein, ô caminhozinho mais complicado!
Só sei que agora eu achei meu próprio caminho
seguro, que com certeza não é andar pela Catamarca, e muito menos vir de ônibus
(metrô seu lindo!)