Aqueles que se vão

30.12.19


Nunca pude entender bem as despedidas e aqui estava eu, repetindo esse ciclo.

Caminhei pelo apartamento sozinha, cada móvel me fazia lembrar de um momento especial, mas era a sua casa, não a minha, mesmo que você insistisse em dizer “nossa casa” milhões de vezes, eu sempre soube que era a “sua casa”. Eu só era uma intrusa que, sem pedir licença, se estabeleceu em sua vida.

Apesar de tudo, eu entendia, mais que você, os truques de cada cantinho do nosso lar. Porque o lar não é a casa, lar é aquilo que se constrói dentro da gente.

Caminhei pela cozinha, vi os espaços vazios que antes eram ocupados pelos meus utensílios, até mesmo a xícara que usava todos os dias já não estava mais aqui. Eu ainda podia escutar as risadas de quando cozinhávamos juntos, ou o cheiro de queimado das suas tostadas, que aliás, eu sempre gritava ao longe “abaixa o fogo!”, mas você nunca escutou, por teimosia mesmo.

Atravessei a porta e ali estava a sala com a nossa adorada mesa de vidro redonda, que lembrava o meu desejo de que todos fôssemos iguais e que ninguém merecia um lugar especial na cabeceira. E quanta história ela poderia contar se soubesse falar: jantares românticos, aniversários, festinhas aleatórias com amigos, seção de estudos, mesa para criar e inventar.

Naquela sala fomos dois apaixonados, dançando em sua própria bolha, o mundo ali não tinha tempo, éramos só nós dois trocando olhares suspensos em nossa nuvem.

Passei para o banheiro e lembrei dos banhos compartilhados enquanto fazíamos um dueto debaixo da água, o cabelo cheio de shampoo enquanto eu dizia: “você vem muito por aqui?”. Abri um sorriso ao lembrar dos roupões combinando enquanto escovávamos os dentes na frente do espelho como em um filme romântico cafona. Não é que cenas assim existem de verdade?

Fui ao quarto onde passámos grande parte dos fins de semana vendo qualquer coisa juntinhos na televisão. Também passávamos horas e horas abraçados sem dizer nada, só aproveitado o calor um do outro e imaginando mundos impossíveis. Lugar onde compartilhávamos declarações de amor e carícias quando um resolvia provocar um ataque de cócegas no outro.

E ali estava você, sentado sobre a cama, encarando a parede branca, talvez pensando em mim. Eu queria tanto poder te tocar, mas não adiantaria de nada. Sentei ao seu lado, porém, você não podia me sentir ali. Eu olhei por milésima vez a sua barba por fazer, os olhos de quem uma vez esteve completamente apaixonado e escutei seu coração bater mais forte.

Já não me restava tanto, mas eu sabia que havia deixado uma marca em você, assim como todos aqueles que se vão.

Em uma atitude audaz, decidi tocar o seu ombro, desejava te abraçar por uma última vez, mas quando meu corpo envolveu o seu, minha existência se desvaneceu com o vento a soprar e você estava outra vez sozinho. 


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