Minhas
mãos estavam trêmulas, era a primeira vez que isso acontecia ao entrar em um
avião. Uma sensação estranha no meu peito dizia que algo estava mal, um puxão
como se quisessem tirar parte do meu peito para fora do corpo. Minha respiração
acelerou ao passar pela aeromoça que estava parada no corredor principal do
avião, parecia que essa seria a última viagem da minha vida, o que era muito
estranho, já que eu tinha que voltar em menos de duas horas quando chegasse ao
meu destino.
Sacudi
a cabeça espantando qualquer pensamento estranho ou preocupante, isso não me
levaria a lugar nenhum.
Classe
econômica cheia, assim como o meu peito a ponto de explodir.
Não
era adrenalina, não era nervosismo. Eu não fazia a menor ideia do que poderia
ser.
Algo no céu estava errado, não era um bom dia para voar, minhas células sabiam, mas eu ignorei. Tinha que voar hoje, se não meu chefe me mataria.
Coloquei
minha bolsa de mão no compartimento acima da poltrona e sorri para uma mulher
antes de me sentar ao seu lado, estaria ali por pelo menos cinco horas. Pedi uma
água para a aeromoça, talvez isso acalmasse os meus batimentos cardíacos.
Liguei
a televisão procurando por algum canal de comédia, mas não havia nada
interessante, peguei o manual de segurança que estava guardado na redinha da
parte de trás do banco da frente. Isso me acalmaria um pouco.
Fechei
os olhos com o sangue quente correndo pelas minhas veias, o suor frio caía pela
minha testa como pequenos cubos de gelo que arrepiavam a minha espinha.
— Nervosismo
de primeiro voo? — Abri os olhos e agora havia um homem sentado quase do meu
lado, o corredor era o único que nos separava.
—
Não — respondi, levantando uma sobrancelha.
—
Que engraçado, nunca vi ninguém segurar um manual de segurança como se fosse a
bíblia.
— Qualquer
leitura é sagrada.
Voltei
a concentrar-me na televisão, mas não havia nenhum sinal dos melhores canais
que eu acompanhava. O homem continuava me olhando, não com
segundas intenções, mas sim interessado no que eu fazia.
—
Aliás — falou como se ainda estivéssemos em uma conversa. —, meu nome é Carlos.
Não
respondi, tinha muito na minha cabeça para me preocupar com fazer amizades no
avião. Essa era uma viagem de negócios e eu provavelmente nunca o veria
novamente. Talvez deveria ter fingido que não falava português. Guten tag mermão.
—
Geralmente as pessoas se apresentam, falam o nome, se é que a senhorita tem
nome. Talvez você seja uma viajante do tempo com um codinome, The Mistress!
Revirei
os olhos, tentando conter um sorriso que escapava pelos meus lábios. Não posso
acreditar que esse estranho acabou de fazer uma referência sobre a minha séria
favorita.
—
Talvez você seja um alienígena e eu decidi deixar você em paz, mas é só por
hoje. — Sorri ironicamente, talvez assim ele possa esquecer da minha
existência.
—
Muito boa a referência, madame. Deixarei a mestra descansar e ler o manual,
quem sabe você possa encontrar códigos secretos. — Piscou para mim e ajustou o
cinto de segurança quando a aeromoça passou avisando que decolaríamos em poucos
minutos.
Voltei
a minha atenção para a televisão, mas às vezes o observava de canto de olho. Parecia
ser uma pessoa divertida e com quem eu sairia para tomar uma cerveja qualquer
dia desses, só que essa é uma viagem e as pessoas de voo costumam não durar
muito em nossas vidas.
Pisquei
por dois segundos e logo me vi tropeçar com ele no corredor ao caminho do
banheiro. O sorriso gentil ao me pedir desculpas teve um efeito muito estranho
em mim, mas ignorei tudo aquilo que sentia. Meu corpo inteiro reagia a ele e
não mais para o voo, as bochechas rosadas não mentiam.
O problema de tudo é que agora o meu estômago
me dizia que algo estava mal, aquela sensação de vazio preocupante que sobe
pela garganta e desce outra vez. Eu me sentei na cadeira e decidi dormir.
Dessa
vez, quando abri os olhos, estava na primeira-classe junto com ele em um bar. Não
fazia a menor ideia de como havia parado ali, mas dentro de tudo o que estava
sentindo, era o único que parecia certo e as pessoas não queriam expulsar a
gente de lá, o que era um ponto positivo para dois infiltrados da classe
econômica.
—
Então, o que acha? — perguntou com um sorriso convencido, dessa vez eram seus
olhos que haviam captado a minha atenção, eram tão brilhantes. Só que esse
lugar não fazia sentido.
—
Bem impressionante, mais impressionante ainda seria saber como vim para aqui. —
Ele entortou a cabeça para a direita sem entender as minhas palavras.
—
Você não se lembra? — Se aproximou tentando segurar em minhas mãos, mas não o
deixei, era um completo desconhecido... eu acho.
Sacudi
a cabeça e imagens invadiram a minha cabeça em uma avalanche que não podia
controlar. Nós dois juntos saindo de um voo, trocando números, outras viagens,
risadas, jantares, beijos, uma casa, uma viagem em primeira classe. Nós,
juntos.
Olhei
para a minha mão e lá estava um anel de ouro brilhante no meu anelar esquerdo.
Quanto tempo havia passado? O lugar em que estava girou uma e outra vez, minhas
pernas se transformaram em duas gelatinas e ele me segurou antes que caísse no
chão.
Carlos
continuava sendo a única coisa certa naquele lugar. Meu peito acelerou outra
vez, era como se uma grande bola estivesse presa na minha garganta e eu não
pudesse respirar, abria a boca procurando por algum rastro de ar que pudesse
encher os meus pulmões.
Agarrei
forte em sua camisa branca pedindo ajuda, as palavras não saíam, minhas cordas
vocais não funcionavam.
Ele
me levou até umas aeromoças que me deram água e um remédio, não demorou muito
para que eu voltasse ao normal. Carlos me abraçou e o senti tão familiar, meu
coração aqueceu e seu toque me acalmava. O mesmo sorriso estava ali e uma parte
de mim dizia que aquele era o meu favorito. Seus braços ao redor da minha
cintura eram de verdade e o anel que pesava no meu dedo também.
Sentei
na poltrona confortável da primeira classe, meu corpo estava cansado. Apesar de
ter tomado um copo cheio de água, a sentia seca como o deserto, braços muito
pesados para segurar qualquer coisa, as pernas já não podiam sustentar-me.
Fechei os olhos com medo do que poderia ver quando os abrisse.
Um
som infernal tomou conta dos meus ouvidos, uma pressão capaz de estourar os
tímpanos de qualquer um, gritos de mulheres desesperadas, sons que eu não
conseguia relacionar com nada. Não queria abrir os olhos, meus cabelos voavam
para cima, o ar escapava pelos meus pulmões, não podia ser verdade, não queria
que fosse.
Alguém
ao fundo gritava “máscara de gás”, outros diziam “como se coloca isso?”, eu não
queria, talvez se fechasse e abrisse novamente, pudesse aparecer em outro
lugar.
Abri
os olhos. Era pior do que pensava.
Estava
na classe econômica. Com uma mão Carlos segurava a minha e com a outra segurava
firme a máscara sobre o seu rosto. Eu fazia o mesmo. Encarei seus olhos com
medo, não queria morrer.
O
avião perdia altitude muito rápido, meu coração batia tão rápido que eu já não
o sentia. Estava atônita, sem reação. Esse era o meu fim.
Será
que havíamos sido felizes o suficiente? Apertei sua mão e mais memórias de nós
vieram à minha mente, momentos felizes, havia sido muito bom, mais do que
deveria.
Meus
olhos já fechavam sozinhos, não havia mais oxigênio, minha cabeça parecia que
explodiria a qualquer momento. Carlos não soltava a minha mão de jeito nenhum.
Até que vi o pior, prédios se aproximavam do avião em uma velocidade inumana,
ou melhor, éramos nós que nos chocaríamos contra os prédios em alta velocidade.
Fechei
os olhos sem saber exatamente onde pararia dessa vez.
Escuridão e silêncio, parecia que não havia vida ao meu redor. Logo, escutei uma respiração que não era a minha, senti os movimentos calmos do meu peito, mexi de leve um dedo ou outro e para a minha surpresa a superfície que havia encontrado era a de outra pessoa. Também pude escutar um "bip" muito irritante que tocava sempre no mesmo ritmo.
Escuridão e silêncio, parecia que não havia vida ao meu redor. Logo, escutei uma respiração que não era a minha, senti os movimentos calmos do meu peito, mexi de leve um dedo ou outro e para a minha surpresa a superfície que havia encontrado era a de outra pessoa. Também pude escutar um "bip" muito irritante que tocava sempre no mesmo ritmo.
—
Diana? — Escutei a voz de Carlos, estava um pouco rouca, como se estivesse um
pouco resfriado. — Diana! — falou um pouco mais surpreso e sua mão, que segurava
a minha tão firme, se afastou. Escutei um som de algum aparelho, como um
walkie-tolkie — Doutor! Doutor! Ela está acordando!
Acordando?
Então
uma voz, um tanto robótica, respondeu que já viria até o quarto.
Tentei
abrir os olhos, mas as minhas pálpebras pesavam cinquenta quilos. Minha boca
estava mais seca que a bunda de um camelo. O que havia acontecido? Foi o
acidente de avião? Sobrevivemos?
—
Amor, você está aí?
—
Eu... — Minha voz saiu por um fio, minhas cordas vocais reclamaram, eu
precisava de água e muita.
Finalmente
consegui abrir os olhos e lá estava Carlos com os cabelos bagunçados e olheiras
gigantes.
—
O que aconteceu? — Consegui falar uma vez que ele me deu um pouco de água que
estava sobre a escrivaninha do quarto onde haviam outras coisas como roupas e
produtos de higiene.
—
Um acidente de carro, você estava indo para o aeroporto, mas nunca embarcou. Quando cheguei a São Paulo você já estava em coma.
—
Então eu nunca morri em um acidente de avião com você? — Tossi um pouco.
—
Não, meu amor. — Ele acariciou a minha cabeça. — Mas de qualquer forma, foi uma
experiência e tanto. Por que você acha que teve um acidente em um avião?
—
Meu amor, eu vou contar para você a história da viagem que mudou tudo. Mas
antes, liga para o meu chefe e diga que eu me demito, chega de viagens, chega
de estresse. Se eu for morrer, que seja de velhice e não em uma viagem de
negócios! Também quero uma laranja...
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