Imagem por Markusspiske, sob licença Creative Commons. |
Caminhei pela casa
sentindo o calor sufocante do verão, talvez fosse um gostinho do inferno daquilo que me
esperava no futuro. Suor escorria pela testa e eu procurava pelo cômodo mais
fresco.
Pés descalços no
chão de madeira, não tão frio quanto eu me lembrava. A vizinha deveria estar
cozinhando e todo o calor do seu fogão subia para o meu apartamento.
Inferno pessoal.
Havia dito para ele
que deveríamos comprar um ar-condicionado ou, como mínimo, um ventilador. Ele
riu, disse que juntaríamos o dinheiro em menos de dois meses e compraríamos o
melhor ventilador da loja. Mas ele já não está aqui e o sonho do ventilador
parece ser uma memória tão antiga quanto o tempo.
Fechei a cortina de
todas as janelas para impedir que o sol entrasse, os vidros altos e quentes
causavam a sensação de estar em uma estufa, ou quem sabe em um forno. Queimando
lentamente por dentro e por fora. Será que me queriam bem-passada?
Fechei o vidro. O
ar quente dançando ao redor do meu corpo só me causava náuseas, a casa inteira
girava e meu estômago revirava como se uma grande bolha estivesse presa e não
pudesse sair. Eu precisava daquele ventilador, dele.
O apartamento
estava vazio, escuro e nem um ar fresco amistoso corria aqui dentro. Era uma
prisioneira, o pior é que talvez fosse uma metáfora insólita que simbolizava a
minha prisão interna. A música do rádio já não me agradava, os pássaros na
janela piavam em tom de misericórdia pela sua partida. O que eu sentia aqui
dentro se mesclava em tons de preto e cinza com uma leve pitada de amarelo.
Entrei em seu
escritório, sabia que era o cômodo mais frio do apartamento, mas queria evita-lo.
Minha pele eriçava só de olhar para aquela mesa de madeira tão bem organizada,
as histórias, o computador, os vários cadernos com projetos que nunca chegaram
a tornar-se realidade.
Ainda podia
imaginá-lo sentado naquela cadeira com o cenho levemente franzido à procura de
inspiração. Encarei a porta como se ele pudesse entrar a qualquer momento com o
sorriso cativante e piadas idiotas que me faziam rir.
Mas aqui estava eu,
dando voltas em um mundo imaginário, sonhando em tocar sua pele outra vez e entramar
meus dedos entre os seus cabelos negros como a noite.
Sentei na cadeira
em que ele passava a maior parte do dia, as rodinhas rangeram como se agradecessem
que alguém a estivesse usando novamente. Inclinei para trás sentindo
seu conforto abraçar as minhas costas e enterrei meu corpo naquele acolchoado,
lembrando de como era bom estar em seus braços, me envolvendo e puxando contra
o seu peito. O roçar de nossas peles suaves.
O calor parecia
aumentar, suor escorria pela minha face. Eu precisava daquele ventilador, eu
precisava dele.
Tentei levantar
daquela cadeira, mas minhas pernas fracas hesitaram quando fiz força para
seguir. Eu o vi, parado diante de mim, os olhos castanhos tão profundos quanto
a imensidão do céu. Era capaz de jurar que via estrelas no brilho de seus olhos. Os cabelos
rebeldes não mudaram ao longo do tempo e nem o sorriso que me derreteu desde o
momento em que o conheci.
E logo estava eu,
uns cinco quilos mais magra, mas isso nunca o importou, na verdade, ele nunca
havia se importado com a minha aparência física, às vezes podia jurar que ele
via muito além disso. Meus cabelos castanhos sem nenhum rastro da idade que carregava,
os braços ao redor da cintura dele, mais um dia feliz ao seu lado.
Lembro-me bem da
brisa amena daquele dia, o sol radiante que nos aquecia, os pássaros que cantavam
em sinfonia. Eram outros tempos.
Mas aquela simples
imagem não representava tudo o que você foi e tudo o que viria ser. O calor
trazia minhas memórias como alucinações, era tudo tão real.
Seu toque.
Sua voz.
Suas palavras.
O sussurrar de
palavras cálidas em meus ouvidos.
Como você ousava
tomar pose das minhas memórias e gerar lágrimas que saíam de dentro do meu
peito? O mesmo em que você se apoiava para escutar os meus batimentos quando
estávamos perto. Ainda me lembrava do sorriso estampado em seu rosto quando o
coração acelerava ao escutar suas palavras doces.
Agarrei aquele
porta-retrato desejando estar ali, estática ao seu lado pela eternidade, mas
não era possível, a garota da foto nem reconheceria a senhora que havia me
tornado.
Olhei para fora, os
pés roçando no tapete, desejando o contato de algo frio. A chuva no horizonte,
sinal de que sobreviveria mais um dia na tempestade que era a minha vida.
Enquanto isso, os
olhares resplandecentes seguiam naquela foto tão bem guardada naquele
porta-retrato.